quarta-feira, 27 de abril de 2011

A ancestralidade e os sagrados segredos herbais


Conversas de pé de caldeirão...

Cresci observando minha cuidadosa mãe em sua herbal alquimia, afirmando ser a cozinha o coração da casa, numa representação simbólica e factual do eterno centro provedor da vida, já que é o local de preparação do alimento tão bondosamente doado por Gaia.

A agilidade com que ela preparava a mais saborosa refeição, usando sempre ingredientes frescos e enfeitando com amor os pratos, deixavam-me com ansiedade para a chegada das refeições.

Isto, sem falar na agregação de pessoas em volta dela, pois a cozinha sempre foi o local de agradáveis bate-papos, enquanto ela socava massa de pão ou fazia bolo, numa maestria onde a mais simples comida transformava-se em um manjar, a exemplo do guisado de carne moída com canela![1]

Em datas e ocasiões comemorativas – mais freqüente das que constam no calendário juliano – ela enfeitava a mesa, ornando-a com velas, trigo e flores, numa celebração à vida e a tudo que ela proporciona. Uma bruxa tipicamente alquímica, engendrada a partir das entranhas de Deméter nutridora, ou, ainda, uma Cerridwen conhecedora dos segredos da natureza, passados adiante apenas pela observação... Eis o primeiro sagrado segredo a se revelar!

Com todas essas lembranças ainda bem vívidas à mente, minha formação “herbolária” não poderia ter sido de outra maneira. Assim, quando se fala em ervas, logo penso na facilidade com que minha mãe estava sempre a especular e aplicar seus remédios caseiros, conversando comigo sobre as propriedades contidas em cada uma das ervas em nosso jardim.

Minha mãe tinha uma loja de produtos naturais, nada mais “ancestralmente” mágico do que um lugar cercado por aromas, cores e energias entre-mundos. Um mundo de desnudamento dos segredos mais ocultos de nossa herança se concretizava no porão, local onde a magia tomava conta da atmosfera, trazendo à tona a explosão de sabores que somente Lígia Maria poderia saber conduzir em sua orquestra.

Com isso, cresci tomando chá de limão, alho e mel para gripe, usando o gengibre para a garganta, bem como a canela para a cólica menstrual e regulação do fluxo. Aprendi que alface é excelente calmante, a maçã, adstringente e o alho, um poderoso agente anti-infeccioso.

Bom, morando sozinha já algum tempo, meu relacionamento com as ervas tem se consolidado a cada dia por meio de novas descobertas, movidas à intuição, paixão e experimentação. Primeiro, porque aprendi a cuidar de minha herança, uma spatifillus[2], que recebi de minha mãe quando ela se mudou para Natal, aprimorando-me, assim, na “arte de ser cuidadora”, de me vincular, numa teia, ao mundo. Ao pequeno grande mundo que a Natureza rege do topo da escala evolutiva. Segundo, porque a culinária falou mais alto, no que diz respeito ao preparo das ervas a serem utilizadas, bem como à combinação mágica que deve ser feita para cada motivação a ser trabalhada.

Assim sendo, meu primeiro contato com as ervas veio da necessidade de alcance de combinações de forno e fogão, pois tinha – e, de fato, ainda tenho – desconfiança em relação aos temperos prontos. Passei a observar a textura, o gosto in natura, estudar as propriedades terapêuticas e mágicas de cada erva, tentando aprender o que estava latente nas plantas ao meu redor.

Acredito que a Natureza contenha simbolicamente a destinação de suas plantas e ervas. O espinho, por exemplo. Nada mais protetor do que uma planta que contenha espinhos, justamente porque o espinho é o instrumento intrínseco na planta em se defender dos predadores.

Outra percepção sobre isso relaciona-se ao sabor picante contido em determinadas ervas e alguns sabores, que podem ser direcionados tanto para bruxedos de proteção, como, também, para incrementar relacionamento. É o caso da pimenta, pois a latência com que está disposta a arder proporciona, de um lado, a defesa natural, como, de outro, o consumo em ardente fogosidade, hábil a acalentar os desejos mais profundos dos fogosos amantes. Simples, é intuitivo.

Antes, achava bem prático ir a um supermercado e comprar tudo pronto, ensacado ou enlatado. Mas, na medida em que passei a me conectar mais com a Natureza e a eco-sustentabilidade, passei a vivenciar a bruxaria como um caminho ritualístico a ser percorrido, onde cada etapa extrai de nossa entranha o conhecimento, o sagrado e o mitológico.

Tenho espaço no jardim, que divido fraternalmente com duas composteiras, bananeira, mamoeiro, jardim de ervas medicinais e, claro, minhas queridas jardineiras de temperos! Passei, então, a utilizá-lo melhor, plantando algumas ervas para usar na culinária.

Além disso, decidi fazer a secagem artesanal de alguns temperos, procurando-os nas famosas feiras-livres, os centros inenarráveis de descobrimento da magia! A desidratação natural é uma técnica antiga que preserva parte da vivacidade e do poder ativo da planta, bastando, para tanto, esfregar a erva antes de usá-la para ativar o aroma e o sabor.

Aprecio bastante um bom maço de alecrim, manjericão - e sua prima manjerona - hortelã e arruda, considerando o conjunto uma equipe básica de atuação. Prefiro sempre os maços reluzentes, com o aroma bem marcante, pois é indicativo de frescor da erva. Como os maços geralmente vêm enrolados em um cipó ou liga, sendo molhados para não perderem seu cheiro, a primeira providência a ser tomada é lavagem do maço e a primeira secagem das folhas, abrindo-as para que não apodreçam.

Retiro o cipó, lavo bem em água corrente e tomo a cautela de fazer a higienização com vinagre de maçã ou limão, na razão de uma colher para cada meio litro de água. Não tem problema em relação a qualquer alteração no sabor, porque a erva poderá ficar até uns dez a quinze minutos submersa, podendo ser lavada depois.

Em cima de uma toalha, inicio minha meditação, agradecendo aos Deuses o provimento do sabor da comida que irei ingerir. Acendo um incenso, ou, ainda, um aromatizador, preferencialmente com um aroma mais neutro, para não confundir com o cheiro da erva fresca. Não vejo sentido em fazer um fumacê, sob a desculpa de consagrar a erva com outra erva, pois acho que perde o sentido da consagração que pode ser feita aproveitando a destinação atribuída à planta.

Ao som de uma boa música, em harmonia, começo a separar os maços de ervas secas, amarrando os tufos com uma linha representativa do que pretendo catalisar com a folha. Usualmente amarro todas com linha verde, a cor da fertilidade que desejo atribuir ao efeito da erva.

Depois da “amarração”, cada maço pode ser pendurado no alpendre, ou na própria cozinha. Não tenho hábito de pendurar as ervas na cozinha para não confundir o aroma da planta com o que está sendo preparado. Frituras e plantas não combinam, em definitivo!

Disponho os maços na varanda de casa, perto da luminosidade, mas não os coloco em contato direto com o sol, pois, caso contrário, queimam rápido e perdem as propriedades. Importante e curioso: bichinhos (moscas, aranhas) não chegam perto se você pendurar a arruda ou a hortelã junto com os demais temperos.
Depois de uma semana temos um tempero MARAVILHOSO. Bom apetite e bons bruxedos!

Por Audrey Donelle Errin
Pesquisadora do Sagrado Feminino, dentro do foco celtíbero.
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[1] Não é novidade para ninguém que a carne moída – o patinho, mais especificamente – desprende um cheiro muito estranho, parecendo sola de sapato. Olha, não me pergunte a razão pela qual acho ser cheiro de sola de sapato, mas não posso deixar de achar isso mesmo!

[2]A história da spatifillus é engraçada, porque, ao viajar durante as férias, deixei-a com uma moça e qual não foi minha surpresa, ao me deparar com uma esmirrada planta, ao voltar para casa! Nossa, o desespero tomou conta de mim e, dia após dia, eu tentava animá-la, regando-a e conversando com ela. Em duas semanas, voltou minha spatifillus a sorrir, brindando-me com suas folhas reluzentes. Até hoje ela fica lá, cheia de brotinhos.

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